20.11.06

Balanço

Para cada uma das nossas aventuras, há sempre um momento de balanço. Não sei se me antecipo, se deva avançar mais algum tempo, mas parece-me que esta é uma hora tão boa como outra qualquer.
O Labirinto surge devido a uma inquietação: se temos aqui a tecnologia, até que ponto é possível usá-la para fazer literatura. A questão não é fácil de abordar, mas tenho pensado muito nela. Há exemplos de blogues literários (alguns, excelentes, constam da lista de links). Penso que este meio é ideal para a prática da crónica, da crítica e até do conto curto. Mas a novela é outra coisa.
As limitações começam naturalmente no autor. Quando lancei este conjunto de histórias, precipitei-me, não parei para conceber melhor o universo imaginário, não preparei o terreno das personagens, quis experimentar, improvisar, cortar etapas. A ideia era criar uma espécie de ambiente de jazz, com música feita à medida da improvisação constante. Melhor imagem será dizer que era música de garagem: imaginem um grupo de rock que tenta, experimenta, imita, e sobretudo inventa sem se preocupar com o resultado final. Os grandes problemas surgem quando os músicos saem da garagem e enfrentam um meio habituado à qualidade. Para quê perder tempo a ler literatura improvisada, quando será bem melhor ler um romance a sério, devidamente trabalhado, escrito em papel?.
A minha ideia inicial era não me preocupar excessivamente com as naturais flutuações de qualidade dos textos, dada a natureza imprecisa do meio. A estrutura não podia ser idêntica à de um romance tradicional, pois haveria leitores a entrarem aqui a meio, outros a lerem uma vez por semana, muitos a caírem de pára-quedas nesta cena. Cada post teria de valer por si mesmo; cada história seria independente.
Onde penso ter falhado mais foi na concepção das personagens. Teresa não funciona, ponto. Não tem espessura, não parece autêntica; Jorge é impreciso; Cláudio escreve demasiado bem para a cultura que deverá possuir. As personagens femininas são pouco consistentes. Os textos têm excesso de sentimentalismo e, sobretudo, flutuações excessivas na respectiva qualidade, mas sempre num estilo monocórdico. Exactamente o inverso do que devia ser. Tentei também fazer histórias a várias vozes, mas nenhuma conseguiu riqueza de nuances ou profundidade de ideias.
Por vezes, este romance é simplesmente chato. Não há humor e penso que os leitores nunca conseguem envolver-se com as figuras. Estas, portanto, não mexem, não têm entranhas, não parecem sinceras. Estes textos não incomodam, não perturbam, não têm polémica.
Enfim, é o que penso deste blogue experimental. Mas, já que vos roubei tanto tempo, peço-vos um pouco mais de paciência: gostaria de conhecer a opinião dos leitores sobre isto, mas também sobre o problema inicial, será possível escrever um romance na forma de blogue? Deixem aqui o vosso comentário, que agradeço...

1.11.06


O Jorge deu-me um toque e desci da redacção. Ele estava em baixo à minha espera. Enviara-me uma cópia do seu conto de sci-fi e queria uma opinião sincera. Fomos até ao café na esquina do quarteirão. Perguntei-lhe como estava, o que andava a fazer, mas ele não quis entrar em grandes pormenores:
"Estive agora com um amigo. Parece doente, deixou-me preocupado" afirmou, vagamente.
O que se diz nestas situações? Uma banalidade e muda-se de conversa.
"O teu conto é interessante, mas acho que podes melhorá-lo sem grande esforço".
O Jorge mudou de expressão. Perdera o olhar distanciado. Ficara um pouco ansioso. Tive de suavizar a tentativa de crítica, pois percebera que não podia ser inteiramente sincero. O conto tinha grandes falhas, era evidente, escrita pouco trabalhada, demasiado improvisação, personagens relativamente esquemáticas. Apesar disso, tinha pontos interessantes, como as descrições de ambientes, e foi nessas partes que focalizei a minha crítica, para não magoar o Jorge, que é uma pessoa que respeito, pena que seja tão inseguro e talvez um pouco preguiçoso.
"O Boris está bem esgalhado. Gostei da parte em que ele reflecte sobre os seus crimes. É forte, não mexas mais. Depois, gostei das descrições da cidade subterrânea, no fundo o bunker do primeiro-secretário, mas acho que podias explicar melhor a situação estratégica..."
"Porquê", interrompeu Jorge, bastante ansioso, "Não se percebe que existe uma rebelião de Libertários e que uma frota se dirige para o satélite?"
"Percebe-se lindamente", suavizei. "Mas acho que deves explicar melhor a motivação dos rebeldes e, sobretudo, a razão pela qual o primeiro-secretário os obriga a combater".
"Eles desejam ser livres. A Civilização do primeiro-secretário é maléfica e corrupta. Morreram cem milhões".
"Porquê?"
"Percebo! Devo explicar melhor as razões do conflito..."
"Fazes isso num parágrafo. Sei lá! Por exemplo, inventa um motivo económico poderoso ou melhor ainda, uma religião ou uma questão racial. Os do Governo são mutantes, por exemplo, geneticamente modificados. E acho que podes melhorar a escrita em certas passagens. Não há pressa na publicação, portanto, numa semana limpas aquilo de adjectivos, tornas algumas frases mais simples, etc."
"Escrevi o início três vezes".
"Estou a falar de passagens lá mais para a frente".