22.10.06




Ela abriu a porta e, ao ver-me na entrada, sorriu muito ligeiramente, como se já esperasse que eu estivesse ali, a olhar para ela.
"Posso entrar?", perguntei.
Quando passei a porta, segurou-me no ombro e beijou-me na face.
"Vi o concerto. Estiveste muito bem!", disse eu.
Ela agradeceu. Era como se nos tivéssemos separado há duas semanas, em vez de nove anos.
Perguntou-me qual era a minha profissão e mostrou grande contentamento quando lhe expliquei o pouco o que podia explicar sobre a minha vida,. Ficou encantada quando lhe disse que vivia no Estoril. Eva tinha a impressão de ser um sítio elegante e agradável, embora num país um pouco antiquado.
"Sabes que casei", disse ela.
Tentei não mostrar ciúme e disse que sim, sempre a sorrir.
"É médico e uma excelente pessoa. E trata a tua filha como se fosse dele". Foi isto que Eva disse, assim, à bruta, com volúpia cruel.
Só nesse instante percebi porque razão ela não tinha fugido da Hungria comigo.
"Não sabia que tenho uma filha...", disse eu, e estava tão perturbado que, por um instante, penso que Eva teve dúvidas sobre a minha perplexidade.
Ficou calada durante algum tempo, a sobrancelha moveu-se, traindo a sua hesitação, as mãos envolviam-se nervosamente uma na outra, procurando algo para dizer.
"E como se chama a minha filha?"
"Sara!"
"Terá, portanto, uns oito anos..."
" Sim, tem oito anos".
"E ela sabe que eu existo?"
"Não! E nunca saberá!"
Era escusado prosseguir. O tempo tinha-nos colocado em pontos opostos da vida. Recordo-me de me despedir de forma envergonhada. Devo ter balbuciado um vago se precisares de alguma coisa. Ela estava encostada a uma cadeira, segurava o violoncelo. Eu queria dizer-lhe o muito que ainda a amava, mas não tive coragem.