1.11.06


O Jorge deu-me um toque e desci da redacção. Ele estava em baixo à minha espera. Enviara-me uma cópia do seu conto de sci-fi e queria uma opinião sincera. Fomos até ao café na esquina do quarteirão. Perguntei-lhe como estava, o que andava a fazer, mas ele não quis entrar em grandes pormenores:
"Estive agora com um amigo. Parece doente, deixou-me preocupado" afirmou, vagamente.
O que se diz nestas situações? Uma banalidade e muda-se de conversa.
"O teu conto é interessante, mas acho que podes melhorá-lo sem grande esforço".
O Jorge mudou de expressão. Perdera o olhar distanciado. Ficara um pouco ansioso. Tive de suavizar a tentativa de crítica, pois percebera que não podia ser inteiramente sincero. O conto tinha grandes falhas, era evidente, escrita pouco trabalhada, demasiado improvisação, personagens relativamente esquemáticas. Apesar disso, tinha pontos interessantes, como as descrições de ambientes, e foi nessas partes que focalizei a minha crítica, para não magoar o Jorge, que é uma pessoa que respeito, pena que seja tão inseguro e talvez um pouco preguiçoso.
"O Boris está bem esgalhado. Gostei da parte em que ele reflecte sobre os seus crimes. É forte, não mexas mais. Depois, gostei das descrições da cidade subterrânea, no fundo o bunker do primeiro-secretário, mas acho que podias explicar melhor a situação estratégica..."
"Porquê", interrompeu Jorge, bastante ansioso, "Não se percebe que existe uma rebelião de Libertários e que uma frota se dirige para o satélite?"
"Percebe-se lindamente", suavizei. "Mas acho que deves explicar melhor a motivação dos rebeldes e, sobretudo, a razão pela qual o primeiro-secretário os obriga a combater".
"Eles desejam ser livres. A Civilização do primeiro-secretário é maléfica e corrupta. Morreram cem milhões".
"Porquê?"
"Percebo! Devo explicar melhor as razões do conflito..."
"Fazes isso num parágrafo. Sei lá! Por exemplo, inventa um motivo económico poderoso ou melhor ainda, uma religião ou uma questão racial. Os do Governo são mutantes, por exemplo, geneticamente modificados. E acho que podes melhorar a escrita em certas passagens. Não há pressa na publicação, portanto, numa semana limpas aquilo de adjectivos, tornas algumas frases mais simples, etc."
"Escrevi o início três vezes".
"Estou a falar de passagens lá mais para a frente".