20.9.06

Algumas pessoas nunca mudam

Era um grande porco de vidro azulado. À transparência, as moedas que não eram nossas mas dos meus pais cintilavam, despertando-nos a ganância e o desejo de carrinhos Matchbox infinitos. Aconteceu há anos e anos mas, ainda hoje, mantenho que a culpa foi do Pedro Machado. E tenho razão.
Reparem, com nove anos ele já inventava que tinha estado na Legião Estrangeira. Só por isso, nunca se acreditava em nada do que dizia, mesmo que dissesse a verdade (Por outro lado, julgo que não conseguiria dizê-la mesmo que quisesse). Só num mesmo ano, ouvi-o jurar que o pai, que era taxista, tinha uma frota de Mercedes - uma «frota!!!» exclamava ele de olhos abertos como se assim acreditássemos mais - e que, nas férias, tinha ido ao Egipto e encontrado o nariz da Esfinge (acho que tinha lido no Astérix que a Esfinge não tinha nariz). Estão a ver o género.
Quanto ao porco, foi o Pedro que teve a ideia. Não havia qualquer forma de saltarem as moedas, apenas a estreita ranhura no dorso azulado do animal. Vai dai, com uma faca, decidimos introduzi-la no porcino virado ao contráro e extrair as moedas à vez, tentando a nossa sorte. Eu, no entanto, estava nervoso, perturbado pelos dilemas morais e castigos futuros assegurados. E as nossas cabeças muito próximas enquanto a mão me tremia. A certa altura, a faca resvalou-me...
No outro domingo, tinha ido almoçar uns robalinhos a um restaurante junto à praia com a Sónia e reconheci-o logo, mesmo de costas e em fato de banho. A voz era a mesma, exactamente igual e apenas um tom mais grace. E aposto que os olhos estavam muito abertos no momento em que o ouvi exclamar:
«Esta cicatriz!? Eh pá! Isto foi quando estive na Legião Estrangeira!».