23.9.06

O diário de Julien Green


Descobri, com grande prazer, textos em jornais franceses sobre o Diário do escritor Julien Green (1900-1998), autor de dezenas de volumes de conto, romance, novela ou teatro, em língua inglesa e francesa. Pacientemente, quase desde o início da sua carreira literária, Green foi escrevendo o seu diário pessoal. A obra cobre 80 anos, tem mais de 20 volumes e os críticos dizem que é magnífica. Desde o início, o autor promete ser verdadeiro e sincero. E alguém explicava que havia dois Julien Green: o que escrevia de manhã, ocupado em romances; e outro, que preferia escrever depois do jantar, o do diário. Impressionou-me ler sobre este autor. Tinha mau feitio, o que me agrada, e uma persistência espantosa. Muitos grandes escritores escreveram diários, género que também tem seguidores em Portugal (José Saramago e Vergílio Ferreira, por exemplo). Mas parece, entretanto, que a forma do diário estará a emigrar para a blogosfera.

20.9.06

Algumas pessoas nunca mudam

Era um grande porco de vidro azulado. À transparência, as moedas que não eram nossas mas dos meus pais cintilavam, despertando-nos a ganância e o desejo de carrinhos Matchbox infinitos. Aconteceu há anos e anos mas, ainda hoje, mantenho que a culpa foi do Pedro Machado. E tenho razão.
Reparem, com nove anos ele já inventava que tinha estado na Legião Estrangeira. Só por isso, nunca se acreditava em nada do que dizia, mesmo que dissesse a verdade (Por outro lado, julgo que não conseguiria dizê-la mesmo que quisesse). Só num mesmo ano, ouvi-o jurar que o pai, que era taxista, tinha uma frota de Mercedes - uma «frota!!!» exclamava ele de olhos abertos como se assim acreditássemos mais - e que, nas férias, tinha ido ao Egipto e encontrado o nariz da Esfinge (acho que tinha lido no Astérix que a Esfinge não tinha nariz). Estão a ver o género.
Quanto ao porco, foi o Pedro que teve a ideia. Não havia qualquer forma de saltarem as moedas, apenas a estreita ranhura no dorso azulado do animal. Vai dai, com uma faca, decidimos introduzi-la no porcino virado ao contráro e extrair as moedas à vez, tentando a nossa sorte. Eu, no entanto, estava nervoso, perturbado pelos dilemas morais e castigos futuros assegurados. E as nossas cabeças muito próximas enquanto a mão me tremia. A certa altura, a faca resvalou-me...
No outro domingo, tinha ido almoçar uns robalinhos a um restaurante junto à praia com a Sónia e reconheci-o logo, mesmo de costas e em fato de banho. A voz era a mesma, exactamente igual e apenas um tom mais grace. E aposto que os olhos estavam muito abertos no momento em que o ouvi exclamar:
«Esta cicatriz!? Eh pá! Isto foi quando estive na Legião Estrangeira!».

18.9.06

Teoria da reportagem


Nunca gostei muito de teorias em matéria de jornalismo, que é uma actividade sobretudo ligada ao quotidiano, mas tenho a minha própria teoria da reportagem: quanto melhor é a realidade, menos ornamentos deve ter a escrita. Até a verdade ficar tão despida, que se torna brutal...

17.9.06

O meu amigo

Sempre achei que ele era uma figura estranha... Não posso dizer que seja meu amigo, mas conheci Daniel A. Feliciano (a estranheza daquele A. que ele insiste em incluir na assinatura)... Perdi-me, dizia eu que conheci o Daniel no serviço militar, depois desapareceu... Conta umas histórias estranhas, por vezes, nem sei se são verdade... Mas, enfim, o que é a verdade?
Serve esta introdução para vos dizer que ele se apropriará deste espaço.
Quando reapareceu na minha vida, o meu excêntrico e quase amigo Daniel dizia de vez em quando "Goza o dia, goza o dia", uma frase que me enervava. Depois, lí Seize the Day, de Saul Bellow, e compreendi melhor (Respirou do açúcar da manhã pura. Ouviu as longas frases dos pássaros. Nenhum inimigo queria a sua vida)